quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Poema a Fernando Pessoa e outras intertextualidades

“Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada”
escreveu um dia
o outro eu de Fernando Pessoa
já eu aqui, que nem Pessoa, nem sublime
complementaria:
– Jamais importou nada que fiz

Se-tea-nos-de-pas-tor-Ja-cob-ser-via
e outros tantos serviria se não fosse
Pa-ra-tão-lon-goa-mor-tão-cur-taa-vida
eu, que esqueci o amor 
que não quero Serrana-Bela
por isso mesmo, também posso sofrer
porque o sofrimento é a dor da ausência
e uma pedra preenche o meu peito
em sólida servidão todos os dias

Tudo aqui está seco e a secura me basta
peixe vivo fora da água fria
ou nem vivo, apenas sobrevivo
tenaz sobrevivente da terra
que se metamorfoseou
e na cabeça guarda apenas
a vaga lembrança da água
sem profundeza alguma

Poeta, sou pífio mas insisto
escrever esses versos
como prova e materialização
do pouco que a vida me fez
e com essa escassez
hei de atravessar meu deserto
para depois reencontrar a fonte
límpida e nela poder me afogar

até lá não quero nada
até lá nada me importa

Sigo trabalhando a matéria
tenho a imaginação rasa
de uma poça d’água
a razão é meu mundo tangível
gasto os dias no escritório
mas não rasgo um papel
se não for sensato
quem olha pra mim não vê
senão alguém razoável
-e o que haveria?

Rezo todas as manhãs
essa prece sem louvor
distribuo sorrisos por onde vou
e levo um coração rasteiro

sábado, 7 de maio de 2016

Os braços estirados em cruz
o peito aberto no espasmo
a coluna arqueada em vela

De olhos fechados na magrela
desço a ladeira finita
guiado pelo vento eu vou

Quando você se foi

Quando você se foi uma coisa sua ficou aqui
sim eu sei que em algum lugar desse quarto
bagunçado está seu brinco
solitário talvez sob o criado
mudo esperando ser 
encontrado entre as
roupas perdido em
pilhas desesperado

ou naquele lugar
que já olhei e olhei
e procurei 
mil vezes procurando
sem notar sem
nunca perceber
o que simplesmente
estava ali
agora de memória apenas poderei dizer que era
dourado com uma pedra brilhante no centro
e que a baixo havia uma pérola
Em seu lóbulo lembrava
uma pequena flor
cujos pólens luziam
iluminando a madrugada