“Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada”
escreveu um dia
o outro eu de Fernando Pessoa
já eu aqui, que nem Pessoa, nem sublime
complementaria:
– Jamais importou nada que fiz
Se-tea-nos-de-pas-tor-Ja-cob-ser-via
e outros tantos serviria se não fosse
Pa-ra-tão-lon-goa-mor-tão-cur-taa-vida
eu, que esqueci o amor
que não quero Serrana-Bela
que não quero Serrana-Bela
por isso mesmo, também posso sofrer
porque o sofrimento é a dor da ausência
e uma pedra preenche o meu peito
em sólida servidão todos os dias
Tudo aqui está seco e a secura me basta
peixe vivo fora da água fria
ou nem vivo, apenas sobrevivo
tenaz sobrevivente da terra
que se metamorfoseou
e na cabeça guarda apenas
a vaga lembrança da água
sem profundeza alguma
Poeta, sou pífio mas insisto
escrever esses versos
como prova e materialização
do pouco que a vida me fez
e com essa escassez
hei de atravessar meu deserto
para depois reencontrar a fonte
límpida e nela poder me afogar
até lá não quero nada
até lá nada me importa
até lá nada me importa
Sigo trabalhando a matéria
tenho a imaginação rasa
de uma poça d’água
a razão é meu mundo tangível
gasto os dias no escritório
mas não rasgo um papel
se não for sensato
quem olha pra mim não vê
senão alguém razoável
-e o que haveria?
Rezo todas as manhãs
essa prece sem louvor
distribuo sorrisos por onde vou
e levo um coração rasteiro
e levo um coração rasteiro